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05/09/2018

A Nova Reforma e a Crise da Previdência Social

A Nova Reforma e a Crise da Previdência Social

Elenice Hass de Oliveira Pedroza

 

A Previdência Social encontra-se disciplinada nos artigos 201 e 202, da Constituição Federal, a qual deve ser custeada, de forma direta, pela contribuição de empregados e empregadores e demais categorias de segurados, e indireta, com parte dos recursos previstos no artigo 195 para toda a seguridade social.

A contribuição previdenciária, de 30% sobre a folha de Pagamentos do setor formal, já foi considerada pelo economista Raul Velloso[1], especialista em contas públicas, a segunda maior contribuição previdenciária do mundo.

Apesar disso, o Poder Executivo tem afirmado sucessivamente que, no confronto entre a receita e as despesas com os benefícios pagos pelo INSS, o resultado é deficitário e que esse déficit vem crescendo a cada ano. Mas, suas afirmativas são contestadas por especialistas, entidades representativas dos auditores previdenciários e pelo Tribunal de Contas da União – TCU.

Realmente, a forma operada pelo Poder Executivo para chegar ao déficit é incorreta.  Porque, de um lado, só registra como receita, a contribuição arrecadada pelo INSS, mas não transfere para a previdência as receitas previstas no artigo 195 I – b, e c,  III, e § 4º  da CF, arrecadadas pela Receita Federal; de outro lado, computa como despesa da previdência, além do pagamento dos benefícios propriamente previdenciários, os inerentes à assistência social (sem nenhuma contribuição) e os benefícios dos trabalhadores rurais (de pouca contribuição).

Essas são algumas das causas em decorrência das quais os princípios da seguridade social não vêm sendo cumpridos totalmente e os valores dos benefícios previdenciários vêm sendo sucessivamente reduzidos. Em 1982 o valor dos benefícios de aposentadoria chegava a 20 salários mínimos e foi rebaixado para 10 salários mínimos de referência. A aposentadoria por tempo de serviço foi substituída pela aposentadoria por tempo de contribuição e ainda agravada pela instituição do fator previdenciário. No regime dos servidores públicos, a contribuição dos aposentados foi considerada inconstitucional para os que percebem até o teto do regime Geral da Previdência Social. Para os que percebem acima desse limite, foi admitida a sua constitucionalidade.

Isso sem falar da profunda alteração que a legislação previdenciária sofreu desde dezembro de 2014 nas regras de contribuição e de benefícios, principalmente em três benefícios (auxílio-doença, pensão por morte e aposentadoria por tempo de contribuição).

Ainda assim, o Poder Executivo alega que o sistema permanece em crise, apesar dos sucessivos ajustes com restrições/supressões no plano de benefícios.

Em dezembro de 2016 -, sob os mesmos argumentos de sempre: o déficit da previdência social e a busca de um modelo sustentável de Previdência -, o governo apresentou a PEC 287/2016, a qual tinha o aumento da idade mínima como um de seus principais parâmetros e desconsidera a importância da Previdência Social na distribuição de renda, erradicação da pobreza e promoção da igualdade, pilares do princípio republicano e democrático do Estado de bem estar social.

Ora, não se desconhecem as profundas mudanças demográficas que no futuro próximo reduzirão a taxa de financiamento do sistema em contrapartida ao aumento expressivo de idosos beneficiários, de forma que ajustes e adequações são imprescindíveis, desde que acompanhadas de amplo debate, transparência de informações e espírito multidisciplinar e democrático.

Todavia, diferentemente do que ocorre com as propostas apresentadas pelo governo, é preciso considerar a importância dos benefícios previdenciários para as economias locais.

Sim. Porque, dados demonstram que em 70% dos municípios o valor dos benefícios supera o repasse do Fundo de Participação Municipal e em 80% dos municípios a arrecadação tributária é inferior ao volume financeiro pago aos beneficiários do respectivo local. Portanto, a Previdência Social é antes de despesa verdadeira ferramenta de aquecimento da economia, transferindo poder de consumo e auxiliando na geração de empregos e pagamento de impostos.

Como se vê, o sistema previdenciário público brasileiro está sustentado em premissas tanto econômicas quanto sociais, de forma que qualquer pretensão de mudança deve seguir planejamento equilibrado e de transição gradativa, considerando os seus limites e possibilidades.

Ademais, insta salientar que o momento de crise política, fiscal e econômica vivenciado poderá se agravar ainda mais com a pretensão de açodamento dos direitos sociais historicamente conquistados, em nebulosa divulgação de dados de suposto rombo financeiro do sistema vigente.

O futuro da previdência representa preocupação de toda a sociedade brasileira. Mais do que isso, um sistema previdenciário sustentável e equilibrado é responsabilidade de todos, governo e sociedade. Para tanto, os grandes temas envolvidos como combate à informalidade, gestão eficiente de arrecadação e fiscalização da sonegação, igualdade de gênero e transparência nos números da Previdência, dentre outros, devem compor qualquer debate de reforma do sistema de previdência social.

Entretanto, o insucesso das reformas feitas no sistema, cada vez mais frequentes, constitui indicativo da falta de um debate sério e amplo sobre o sistema, motivo pelo qual não foram solucionadas as múltiplas causas da crise do sistema (como por exemplo: a má gestão do sistema; a falta de um estudo atuarial; a falta de fiscalização…) -, que vem acentuando para descrédito da previdência pública, com fins sociais e estímulo à implantação do modelo privado (EAPC), com fins mercantis, defendido por bancos e seguradoras privadas que administram os fundos abertos que na realidade constituem um fundo de poupança, não um fundo de previdência.

[1] Folha de São Paulo, 07/072003, pág. A 6.

 

 

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